terça-feira, 21 de fevereiro de 2012


Natal no Carnaval

A desculpa para fantasiarmos que é Natal em plena terça feira de Carnaval é a de sempre - a falta de tempo! É a falta de tempo que nos faz recuar no calendário (no do telemóvel, porque os de papel que se usavam dependurar do prego estrategicamente martelado no intervalo dos azulejos da cozinha, onde bebés dentro de tachos ou animais em poses peculiares ilustravam a publicidade aos alumínios e caixilhos do Sr. Matamouros ou à mercearia dos cantos João Mendes, esses já não marcam o nosso tempo...ou a falta dele, para retomarmos o fio à meada) e desta feita, recuamos a dezembro de 2011, pois falta-nos fazer a revisão da 'matéria lida' , desde então.

Tal como o prevíramos em junho, ao abrirmos o precedente de ver o filme em vez de ler o livro, soubemos que repetiríamos o expediente para assim mascararmos a ditosa 'fala de tempo'.
Num mês assoberbado de afazeres mais úteis ou mais inúteis como é o do natal, pois que ouvir as palavras em vez de as lermos surgiu como única forma de nos determos um pouco em algo mais do que embrulhos, laços e chocolate quente.

O nosso presente foi 'biutiful'!

É um verdadeiro murro no estômago este filme, como o são por norma os filmes de Iñarritu. Não se apresenta com as cores dos típicos filmes de natal e,aparentemente, não é uma escolha acertada tendo em conta a época em que o visionámos. Tem laivos de filme violento, duro, metálico, escatológico até (certas cenas levam-nos a desviar o olhar do ecrã pela sua crueza) como só o podem ser os filmes que devassam a humanidade até ao osso, mas apesar disso e por isso até, poderia ser eleito filme natalício por excelência se o natal ainda fosse o testemunho do amor familiar e fraterno que se deveria passar às novas gerações, se o natal ainda fosse o tempo de reflectir em amores incondicionais como o de Uxbal pelos filhos (o presépio revisitado), se o natal de hoje não fosse, cada vez mais, uma paródia aos antigos valores e costumes.
Por isso tudo , e pelo muito que fica por dizer , este momento cinematográfico partilhado em vésperas de natal foi definitivamente... biutiful.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

NOVEMBRO 2011- Eco no verão de S. Martinho
e ... regressámos, como antes se escreveu, por altura do verão de S. Martinho e, porque 'as palavras se contaminam', voltámos para ler e discutir santos, hereges, místicos, crentes e gente de pouca fé, cátaros e templários... e uma vasta lista de perscrutadores de coincidências, leitores de símbolos e números, fazedores de lendas... homens querendo igualar deus (prometeu revisitado) para refazer a história e as estórias da história, encontram-se e perdem-se nesse encontro...
e... sim, do exposto se infere ( sequência muito original!) que a obra que nos trouxe enredados (literalmente) é ambiciosa... é também um Eco de muitas obras que a antecederam, até pelo seu pendor parodístico, inspiradora de outras bem recentes, literariamente menos conseguidas, mas globalmente (com a Internet e o cinema a dar uma ajuda) mais divulgadas. (Não sei se algum fã de Dan Brown e do seu 'segredo' lê este texto, mas se sim e se nunca leu o Pêndulo de Foucault, lamento desapontá-lo, mas o autor americano pouco trouxe de novo, embora, arrisque afirmar, que ser original em literatura é tão improvável como encontrar o Graal).

e... pronto, é isso, segredo revelado... levámos 555 páginas (na edição da Difel) a chegar a este serão detetivesco, consagrado a um pêndulo e a um jogo curioso do 'gato e do rato'.

e...recomenda-se? Absolutamente! Sobretudo porque sendo 3 em 1 (entretém, informa e emociona - leia-se a episódio de infância de Jacopo que inclui um clarim), adequa-se ao tempo de crise e de poupança a que todos estamos 0brigados.

e... inquieta? Se não inquieta pelo menos faz-nos querer ter/ descobrir um 'plano', aliás... todos sentimos perder o norte quando deixamos de fazer planos...

e... perturba? ... «Num certo sentido sim.É por isso que o Pêndulo me perturba. Promete-me o infinito, mas deixa-me a mim a responsabilidade de decidir onde é que quero tê-lo. Assim não basta adorar o Pêndulo onde ele está, é preciso tomar de novo uma decisão, e procurar o ponto melhor.»

e... continuaremos com o nosso 'plano' nada secreto, mas igualmente estimulante, na senda do nosso Graal... a nossa 'quest': desbravar caminhos de leitura pelos trilhos que os autores e os seus jogos de palavras lavram para nós.

e... boas leituras!

E QUANDO NÃO HÁ TEMPO PARA LER... VÊ-SE!

Apesar de estar já distante o verão, voltamos a este ponto de encontro virtual para partilharmos as memórias do texto que nos serviu de pretexto para mais uma reunião, informal e sem ordem de trabalhos, do nosso 'projecto' de leituras, numa canicular noite de Julho...

... O Leopardo, Lampedusa

Não, não substituímos a palavra escrita pela dramatizada, mas abrimos uma excepção porque o sentimento de culpa de irmos a banhos sem dedicarmos um último pensamento, mais cliché, menos cliché , mais ou menos profundo , ao móbil dos nossos serões literários - a literatura, a obra e as palavras em que se sustentam os livros - corroer-nos-ia. Assim, munidos de pipocas (só são intoleráveis nas salas de cinema, mastigadas desalmadamente por quem foi ver o filme só por elas e não pela trama) e de curiosidade assistimos, na primeira fila, ao livro de Lampedusa feito filme por Visconti.

E gostámos! E, muito provavelmente, esta será apenas a primeira excepção de muitas outras!

Pese embora nos mereça mais do que o apontamento que aqui fica, não nos demoraremos em comentários... vai longe Julho.

Voltámos noutro verão...o de S. Martinho...

Até já!





quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Adoecer ou não adoecer? - eis a questão.

Elizabeth Siddal (musa/ modelo dos pintores pré- rafaelitas)


Quando escolhemos Adoecer para pretexto de mais um serão de ‘falatório literário’, o facto de ser o mais recente romance de Hélia Correia era tudo o que sabíamos sobre o dito. Hélia Correia correspondia a dois requisitos importantes: ser mulher ( critério que tem presidido às últimas escolhas bibliográficas, e qualquer semelhança com o sistema de quotas que garante a presença de mulheres na vida política do país não será pura coincidência, mas sobre machismos/ feminismos e outros ‘ismos’ discutiremos depois) e ser portuguesa ( não querendo persistir na questão do género, sublinhe-se que é a primeira escritora portuguesa a que nos dedicamos).

Às primeiras páginas este Adoecer não entusiasma, e não se sabe bem identificar a razão. Não é propriamente o início tumultuoso da narrativa feita de constantes analepses e prolepses; não é bem a genealogia dos implicados cujas relações familiares e sociais confundem a princípio; nem tampouco o uso da língua e dos tropos da retórica que a escritora utiliza no exercício ficcional. E, no fim de contas, que é como quem diz da leitura, é talvez essa estranheza que, não sendo imediatamente encantatória, acaba por nos cativar. É um romance que exige paciência, concentração, tempo, que é algo que cada vez mais escasseia, ao ponto de termos começado a ler Adoecer em Março e só três meses depois conseguido adentrarmo-nos na obra o suficiente para trocarmos opiniões.

O efeito que a leitura desta biografia romanceada sobre a figura de Lizzie Siddal tem em nós pode ser ilustrado pela seguinte citação: «As chuvas deslizaram pelas pedras como se as respeitassem. Com excepção da que assinala Lizzie Siddal. O texto que o buril afundou nela ganhou alguma qualidade orgânica. Águas e águas se depositaram, chamando musgos para a reprodução . Está deitada , na terra, a sua laje, muito verde, marcando uma diferença na família que nunca foi sua».

Assim acontece connosco, que ao darmos à obra a atenção e o tempo que nos exige (e merece) nos vamos afeiçoando à estranheza que a personagem encerra. E porque marca a diferença numa sociedade, numa irmandade artística (os Pré-Rafaelitas) e numa família, e em todos esses diferentes contextos é mais ou menos subtilmente hostilizada, sentimo-nos quase como Ruskin, obrigados a protegê-la e a admirá-la. O misterioso fascínio que Lizzie exerce sobre aqueles que a rodeiam encontra paralelismo no poder de atracção que Adoecer exerce sobre o leitor: inicialmente tímido e discreto, mas que gradualmente nos prende e se aloja qual excrescência fúngica na pedra onde as águas se depositaram.


Boas e 'doentias' leituras!

terça-feira, 12 de julho de 2011


Memórias das Memórias de Adriano


A obra inaugural das leituras que projectamos para 2011 não podia ter sido mais acertada. Yourcenar convida-nos a revisitarmos um tempo e um espaço de que ouvimos falar nos primeiros anos do estudo da História, na escola. A cultura greco-romana; a grande, despótica e promiscua família dos deuses, elaborada à imagem e semelhança dos homens; os humores , amores e desamores dos patrícios romanos; as lutas fratricidas pelo poder; a importância de um certo olhar estético; o culto do belo e o ideal hedonista; a morte, de tudo isto nos dá conta Adriano ao rememorar a sua biografia como se fosse um espectador da mesma e não o principal actor.
É , de facto, esse o propósito do projecto literário de Yourcenar, tal como a autora nos dá conta :
«Tomar uma vida conhecida, acabada, fixada (tanto quanto é possível sê-lo) pela História, de forma a abranger num só olhar toda a curva: mais ainda, escolher o momento em que o homem que viveu essa existência a avalia, a examina e chega a ser por um instante capaz de a julgar. Fazer de maneira que ele se encontre perante a sua própria vida na mesma posição que nós.»

No caso dos membros deste humílimo clube, a posição a manter é de expectativa até ao próximo serão, desta feita na companhia de uma escritora portuguesa.

Até já!



quarta-feira, 30 de março de 2011

Pelos Trilhos de Adriano


Brevemente actualizaremos o blogue com as observações sobre

esta obra magistral de Yourcenar.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Palavras de Mulheres


Reparámos, por acaso, que em mais de um ano de conversas nocturnas sobre livros e autores, não tínhamos ainda discutido qualquer obra escrita por uma mulher. A fim de repararmos tal lacuna, resolvemos adoptar como critério de selecção de futuras obras o da sua autoria. Assim, eis-nos num frio serão de Dezembro, debruçados sobre o romance inaugural do desfile de muitos assinados por mulheres escritoras.

HERTA MULLER - Tudo o que eu tenho trago comigo

Dezembro de 2010

Concordámos que esta obra não será a leitura mais 'adequada' à quadra natalícia, onde cabem melhor contos senão felizes, pelo menos inspiradores, daqueles que deixam espaço ao sonho e à esperança.
Mas é de crueza, de frialdade e da precariedade da vida de que Herta Muller nos dá conta neste seu romance.
Onde? Num campo de trabalho russo.
Quando? No pós-guerra.
Quem? Um jovem pertencente à minoria alemã da Roménia.
O Quê? Enfrenta o seu destino.
Como? ... Como sempre frisamos, os comentários e as citações que aqui partilhamos pretendem suscitar a curiosidade, não resolver a leitura; assim, o 'como' desta história é o que cada leitor descobrir, porque nunca descobrimos exactamente o mesmo.

De qualquer forma, e em jeito de síntese, a leitura de Tudo o que eu tenho trago comigo deixa-nos um sabor metálico na ponta dos dedos, um frio siberiano na pele, um nó no estômago e uma ideia algo incómoda - o horror pode gerar beleza. Mas isso só alguns espíritos - como o de Herta Muller - conseguem.


«Peguei nele na mão e acariciei-lhe a barriga. Ele bufou e mordeu-me o dedo mindinho. Não largava, Então, vi sangue. Então, apertei o polegar e o indicador , acho que com toda a força, e foi no pescoço. (...) O gatinho, porque estava morto, tinha-me apanhado a matar. Que não tenha havido intenção, só piorava as coisas. A ternura monstruosa enreda-se na culpa de forma diferente da crueldade intencionada. Mais profunda. E mais longamente. (...)


A citação ilustrará (ou nem por isso?!) as sensações orgânicas descritas anteriormente para caracterizarem esta experiência de leitura, mas caso não bastem registam-se os títulos de alguns capítulos do romance: 'Cimento'; 'As mulheres da cal'; Das pessoas severas'; Choupos negros'; 'Do anjo da fome'; 'Aguardente de carvão de pedra'; Do carvão'; 'Da areia amarela'; 'Tijolos de escória'; 'Dos tédios'; A gente vive. Vive só uma vez'; 'O beijo de lata'; etc.

No entanto, também há um assomo de humanidade de quando em vez, por mais duro e agreste que seja o contexto onde essa humanidade acontece: «Uma pessoa pode transformar-se num monstro quando deixa de chorar. O que me impede de sê-lo, se é que já não o sou há muito tempo, não é muita coisa, quando muito a frase: Eu sei que voltas.»

Voltaremos também nós, já em 2011...
Até lá, boas leituras! Bom ano novo!