segunda-feira, 21 de novembro de 2011

NOVEMBRO 2011- Eco no verão de S. Martinho
e ... regressámos, como antes se escreveu, por altura do verão de S. Martinho e, porque 'as palavras se contaminam', voltámos para ler e discutir santos, hereges, místicos, crentes e gente de pouca fé, cátaros e templários... e uma vasta lista de perscrutadores de coincidências, leitores de símbolos e números, fazedores de lendas... homens querendo igualar deus (prometeu revisitado) para refazer a história e as estórias da história, encontram-se e perdem-se nesse encontro...
e... sim, do exposto se infere ( sequência muito original!) que a obra que nos trouxe enredados (literalmente) é ambiciosa... é também um Eco de muitas obras que a antecederam, até pelo seu pendor parodístico, inspiradora de outras bem recentes, literariamente menos conseguidas, mas globalmente (com a Internet e o cinema a dar uma ajuda) mais divulgadas. (Não sei se algum fã de Dan Brown e do seu 'segredo' lê este texto, mas se sim e se nunca leu o Pêndulo de Foucault, lamento desapontá-lo, mas o autor americano pouco trouxe de novo, embora, arrisque afirmar, que ser original em literatura é tão improvável como encontrar o Graal).

e... pronto, é isso, segredo revelado... levámos 555 páginas (na edição da Difel) a chegar a este serão detetivesco, consagrado a um pêndulo e a um jogo curioso do 'gato e do rato'.

e...recomenda-se? Absolutamente! Sobretudo porque sendo 3 em 1 (entretém, informa e emociona - leia-se a episódio de infância de Jacopo que inclui um clarim), adequa-se ao tempo de crise e de poupança a que todos estamos 0brigados.

e... inquieta? Se não inquieta pelo menos faz-nos querer ter/ descobrir um 'plano', aliás... todos sentimos perder o norte quando deixamos de fazer planos...

e... perturba? ... «Num certo sentido sim.É por isso que o Pêndulo me perturba. Promete-me o infinito, mas deixa-me a mim a responsabilidade de decidir onde é que quero tê-lo. Assim não basta adorar o Pêndulo onde ele está, é preciso tomar de novo uma decisão, e procurar o ponto melhor.»

e... continuaremos com o nosso 'plano' nada secreto, mas igualmente estimulante, na senda do nosso Graal... a nossa 'quest': desbravar caminhos de leitura pelos trilhos que os autores e os seus jogos de palavras lavram para nós.

e... boas leituras!

E QUANDO NÃO HÁ TEMPO PARA LER... VÊ-SE!

Apesar de estar já distante o verão, voltamos a este ponto de encontro virtual para partilharmos as memórias do texto que nos serviu de pretexto para mais uma reunião, informal e sem ordem de trabalhos, do nosso 'projecto' de leituras, numa canicular noite de Julho...

... O Leopardo, Lampedusa

Não, não substituímos a palavra escrita pela dramatizada, mas abrimos uma excepção porque o sentimento de culpa de irmos a banhos sem dedicarmos um último pensamento, mais cliché, menos cliché , mais ou menos profundo , ao móbil dos nossos serões literários - a literatura, a obra e as palavras em que se sustentam os livros - corroer-nos-ia. Assim, munidos de pipocas (só são intoleráveis nas salas de cinema, mastigadas desalmadamente por quem foi ver o filme só por elas e não pela trama) e de curiosidade assistimos, na primeira fila, ao livro de Lampedusa feito filme por Visconti.

E gostámos! E, muito provavelmente, esta será apenas a primeira excepção de muitas outras!

Pese embora nos mereça mais do que o apontamento que aqui fica, não nos demoraremos em comentários... vai longe Julho.

Voltámos noutro verão...o de S. Martinho...

Até já!





quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Adoecer ou não adoecer? - eis a questão.

Elizabeth Siddal (musa/ modelo dos pintores pré- rafaelitas)


Quando escolhemos Adoecer para pretexto de mais um serão de ‘falatório literário’, o facto de ser o mais recente romance de Hélia Correia era tudo o que sabíamos sobre o dito. Hélia Correia correspondia a dois requisitos importantes: ser mulher ( critério que tem presidido às últimas escolhas bibliográficas, e qualquer semelhança com o sistema de quotas que garante a presença de mulheres na vida política do país não será pura coincidência, mas sobre machismos/ feminismos e outros ‘ismos’ discutiremos depois) e ser portuguesa ( não querendo persistir na questão do género, sublinhe-se que é a primeira escritora portuguesa a que nos dedicamos).

Às primeiras páginas este Adoecer não entusiasma, e não se sabe bem identificar a razão. Não é propriamente o início tumultuoso da narrativa feita de constantes analepses e prolepses; não é bem a genealogia dos implicados cujas relações familiares e sociais confundem a princípio; nem tampouco o uso da língua e dos tropos da retórica que a escritora utiliza no exercício ficcional. E, no fim de contas, que é como quem diz da leitura, é talvez essa estranheza que, não sendo imediatamente encantatória, acaba por nos cativar. É um romance que exige paciência, concentração, tempo, que é algo que cada vez mais escasseia, ao ponto de termos começado a ler Adoecer em Março e só três meses depois conseguido adentrarmo-nos na obra o suficiente para trocarmos opiniões.

O efeito que a leitura desta biografia romanceada sobre a figura de Lizzie Siddal tem em nós pode ser ilustrado pela seguinte citação: «As chuvas deslizaram pelas pedras como se as respeitassem. Com excepção da que assinala Lizzie Siddal. O texto que o buril afundou nela ganhou alguma qualidade orgânica. Águas e águas se depositaram, chamando musgos para a reprodução . Está deitada , na terra, a sua laje, muito verde, marcando uma diferença na família que nunca foi sua».

Assim acontece connosco, que ao darmos à obra a atenção e o tempo que nos exige (e merece) nos vamos afeiçoando à estranheza que a personagem encerra. E porque marca a diferença numa sociedade, numa irmandade artística (os Pré-Rafaelitas) e numa família, e em todos esses diferentes contextos é mais ou menos subtilmente hostilizada, sentimo-nos quase como Ruskin, obrigados a protegê-la e a admirá-la. O misterioso fascínio que Lizzie exerce sobre aqueles que a rodeiam encontra paralelismo no poder de atracção que Adoecer exerce sobre o leitor: inicialmente tímido e discreto, mas que gradualmente nos prende e se aloja qual excrescência fúngica na pedra onde as águas se depositaram.


Boas e 'doentias' leituras!

terça-feira, 12 de julho de 2011


Memórias das Memórias de Adriano


A obra inaugural das leituras que projectamos para 2011 não podia ter sido mais acertada. Yourcenar convida-nos a revisitarmos um tempo e um espaço de que ouvimos falar nos primeiros anos do estudo da História, na escola. A cultura greco-romana; a grande, despótica e promiscua família dos deuses, elaborada à imagem e semelhança dos homens; os humores , amores e desamores dos patrícios romanos; as lutas fratricidas pelo poder; a importância de um certo olhar estético; o culto do belo e o ideal hedonista; a morte, de tudo isto nos dá conta Adriano ao rememorar a sua biografia como se fosse um espectador da mesma e não o principal actor.
É , de facto, esse o propósito do projecto literário de Yourcenar, tal como a autora nos dá conta :
«Tomar uma vida conhecida, acabada, fixada (tanto quanto é possível sê-lo) pela História, de forma a abranger num só olhar toda a curva: mais ainda, escolher o momento em que o homem que viveu essa existência a avalia, a examina e chega a ser por um instante capaz de a julgar. Fazer de maneira que ele se encontre perante a sua própria vida na mesma posição que nós.»

No caso dos membros deste humílimo clube, a posição a manter é de expectativa até ao próximo serão, desta feita na companhia de uma escritora portuguesa.

Até já!



quarta-feira, 30 de março de 2011

Pelos Trilhos de Adriano


Brevemente actualizaremos o blogue com as observações sobre

esta obra magistral de Yourcenar.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Palavras de Mulheres


Reparámos, por acaso, que em mais de um ano de conversas nocturnas sobre livros e autores, não tínhamos ainda discutido qualquer obra escrita por uma mulher. A fim de repararmos tal lacuna, resolvemos adoptar como critério de selecção de futuras obras o da sua autoria. Assim, eis-nos num frio serão de Dezembro, debruçados sobre o romance inaugural do desfile de muitos assinados por mulheres escritoras.

HERTA MULLER - Tudo o que eu tenho trago comigo

Dezembro de 2010

Concordámos que esta obra não será a leitura mais 'adequada' à quadra natalícia, onde cabem melhor contos senão felizes, pelo menos inspiradores, daqueles que deixam espaço ao sonho e à esperança.
Mas é de crueza, de frialdade e da precariedade da vida de que Herta Muller nos dá conta neste seu romance.
Onde? Num campo de trabalho russo.
Quando? No pós-guerra.
Quem? Um jovem pertencente à minoria alemã da Roménia.
O Quê? Enfrenta o seu destino.
Como? ... Como sempre frisamos, os comentários e as citações que aqui partilhamos pretendem suscitar a curiosidade, não resolver a leitura; assim, o 'como' desta história é o que cada leitor descobrir, porque nunca descobrimos exactamente o mesmo.

De qualquer forma, e em jeito de síntese, a leitura de Tudo o que eu tenho trago comigo deixa-nos um sabor metálico na ponta dos dedos, um frio siberiano na pele, um nó no estômago e uma ideia algo incómoda - o horror pode gerar beleza. Mas isso só alguns espíritos - como o de Herta Muller - conseguem.


«Peguei nele na mão e acariciei-lhe a barriga. Ele bufou e mordeu-me o dedo mindinho. Não largava, Então, vi sangue. Então, apertei o polegar e o indicador , acho que com toda a força, e foi no pescoço. (...) O gatinho, porque estava morto, tinha-me apanhado a matar. Que não tenha havido intenção, só piorava as coisas. A ternura monstruosa enreda-se na culpa de forma diferente da crueldade intencionada. Mais profunda. E mais longamente. (...)


A citação ilustrará (ou nem por isso?!) as sensações orgânicas descritas anteriormente para caracterizarem esta experiência de leitura, mas caso não bastem registam-se os títulos de alguns capítulos do romance: 'Cimento'; 'As mulheres da cal'; Das pessoas severas'; Choupos negros'; 'Do anjo da fome'; 'Aguardente de carvão de pedra'; Do carvão'; 'Da areia amarela'; 'Tijolos de escória'; 'Dos tédios'; A gente vive. Vive só uma vez'; 'O beijo de lata'; etc.

No entanto, também há um assomo de humanidade de quando em vez, por mais duro e agreste que seja o contexto onde essa humanidade acontece: «Uma pessoa pode transformar-se num monstro quando deixa de chorar. O que me impede de sê-lo, se é que já não o sou há muito tempo, não é muita coisa, quando muito a frase: Eu sei que voltas.»

Voltaremos também nós, já em 2011...
Até lá, boas leituras! Bom ano novo!