segunda-feira, 28 de março de 2011

Palavras de Mulheres


Reparámos, por acaso, que em mais de um ano de conversas nocturnas sobre livros e autores, não tínhamos ainda discutido qualquer obra escrita por uma mulher. A fim de repararmos tal lacuna, resolvemos adoptar como critério de selecção de futuras obras o da sua autoria. Assim, eis-nos num frio serão de Dezembro, debruçados sobre o romance inaugural do desfile de muitos assinados por mulheres escritoras.

HERTA MULLER - Tudo o que eu tenho trago comigo

Dezembro de 2010

Concordámos que esta obra não será a leitura mais 'adequada' à quadra natalícia, onde cabem melhor contos senão felizes, pelo menos inspiradores, daqueles que deixam espaço ao sonho e à esperança.
Mas é de crueza, de frialdade e da precariedade da vida de que Herta Muller nos dá conta neste seu romance.
Onde? Num campo de trabalho russo.
Quando? No pós-guerra.
Quem? Um jovem pertencente à minoria alemã da Roménia.
O Quê? Enfrenta o seu destino.
Como? ... Como sempre frisamos, os comentários e as citações que aqui partilhamos pretendem suscitar a curiosidade, não resolver a leitura; assim, o 'como' desta história é o que cada leitor descobrir, porque nunca descobrimos exactamente o mesmo.

De qualquer forma, e em jeito de síntese, a leitura de Tudo o que eu tenho trago comigo deixa-nos um sabor metálico na ponta dos dedos, um frio siberiano na pele, um nó no estômago e uma ideia algo incómoda - o horror pode gerar beleza. Mas isso só alguns espíritos - como o de Herta Muller - conseguem.


«Peguei nele na mão e acariciei-lhe a barriga. Ele bufou e mordeu-me o dedo mindinho. Não largava, Então, vi sangue. Então, apertei o polegar e o indicador , acho que com toda a força, e foi no pescoço. (...) O gatinho, porque estava morto, tinha-me apanhado a matar. Que não tenha havido intenção, só piorava as coisas. A ternura monstruosa enreda-se na culpa de forma diferente da crueldade intencionada. Mais profunda. E mais longamente. (...)


A citação ilustrará (ou nem por isso?!) as sensações orgânicas descritas anteriormente para caracterizarem esta experiência de leitura, mas caso não bastem registam-se os títulos de alguns capítulos do romance: 'Cimento'; 'As mulheres da cal'; Das pessoas severas'; Choupos negros'; 'Do anjo da fome'; 'Aguardente de carvão de pedra'; Do carvão'; 'Da areia amarela'; 'Tijolos de escória'; 'Dos tédios'; A gente vive. Vive só uma vez'; 'O beijo de lata'; etc.

No entanto, também há um assomo de humanidade de quando em vez, por mais duro e agreste que seja o contexto onde essa humanidade acontece: «Uma pessoa pode transformar-se num monstro quando deixa de chorar. O que me impede de sê-lo, se é que já não o sou há muito tempo, não é muita coisa, quando muito a frase: Eu sei que voltas.»

Voltaremos também nós, já em 2011...
Até lá, boas leituras! Bom ano novo!




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