domingo, 26 de julho de 2009
sexta-feira, 24 de julho de 2009
ALTA FIDELIDADE – Nick Hornby
4ª Sessão do Clube de Leitura

E… decidimos jantar!
ENTRADAS - Alta Fidelidade é um romance ‘light’, mas não no sentido fútil a que o termo anglo-saxónico está associado. Digamos antes que é ‘light’ porque, sendo uma comédia, tem no humor a enzima essencial para facilitar a digestão, logo é aconselhável a quem está de dieta ou procura alimento refrescante, a condizer com a época estival.
No romance, parece haver a preocupação de desmistificar a ideia de que os homens agem apenas instintivamente e que são mais decididos do que as mulheres. Afinal, eles também têm dúvidas e inseguranças e ‘até’ (sim, é uma mulher que está a redigir estas linhas) analisam as relações e suas implicações:
«Sentia falta de quê? Talvez sentisse falta de alguém (…) desviando-se do seu caminho para vir ter comigo, talvez um pouco arranjada, ou com um pouco mais de maquilhagem do que de costume, talvez mesmo ligeiramente nervosa; quando era mais novo, o facto de saber que era responsável por isso (…) fazia-me sentir pateticamente grato. Quando se está com alguém permanentemente, não se tem isso (…)»
Aqui abre-se espaço para a eterna discussão entre as antagónicas perspectivas masculina e feminina sobre as relações e os motivos que levam homens e mulheres a iniciá-las, mantê-las ou terminá-las:
«via que ela estava a perder o interesse que tinha por mim, por isso esforcei-me como um doido para recuperar esse interesse, e quando o recuperei, voltei a desinteressar-me »; «por outras palavras, sinto-me infeliz porque ela não me quer, se conseguir convencer-me que ela me quer um bocadinho, volto a ficar bem, porque então não a quero, e posso continuar à procura de outra pessoa».
Parece uma caricatura da atitude masculina comum… Será?!? (e vem-nos à memória a ‘teoria da triangulação’ do romance de Mário de Carvalho, anterior na nossa lista de leituras ‘projectadas’). A reforçar o teor algo narcísico das reflexões ‘deles’ em torno dos afectos, temos a seguinte tirada de Rob:
«Dez não é muito para um solteirão na casa dos trinta. Vinte também não é muito (…) Qualquer coisa acima de trinta, acho eu, já dá o direito de se aparecer no programa da Oprah sobre promiscuidade».
SOBREMESA -Música. Muita música.
Rob tem uma obsessão por ‘listas’. Ele e os seus dois amigos, que são também seus empregados na loja de discos de vinil quase falida (o que em parte se explica pelo facto dos dois empregados ‘correrem’ com os clientes, quando estes pedem discos ‘desajustados’, segundo a opinião sobranceira dos ‘experts’ de serviço), têm o estranho hábito de elaborar listas dos discos ‘top-5’ a propósito de tudo, pelo que muito da discografia dos anos 70/ 80 é revisitada, a par das relações falhadas de Rob. Aliás, para Rob a relação entre os discos e os ‘affairs of the heart’ é inextricável:
«não vale a pena fingir que qualquer relação pode ter futuro se as vossas colecções de discos são violentamente discordantes, ou se os vossos filmes preferidos nem sequer falariam uns com os outros se se encontrassem numa festa».
Ah, a denominação ‘Príncipe de Gales’ do doce que interrompeu a conversa sobre Rob e seus ‘dramas’ não é aleatória. Se quiserem saber qual é, perguntem ao Eduardo, o nosso ‘maitre’, mas adiantamos que está relacionada com aspectos do guarda-roupa de um certo príncipe.
DIGESTIVO – Depois de tanta ‘música’, parece que Rob descobre duas ou três verdades que revelam um certo equilíbrio entre a quantidade de gelo e de licor, pelo que deste copo tanto podem beber os ‘Robs’ como as ‘Lauras’:
«Concordo que é preciso conhecer uma pessoa nova para passar sem a antiga – é preciso ser incrivelmente corajoso e adulto para arrumar uma coisa só por ela não estar a funcionar bem».
E é também para ‘eles’ e ‘elas, mas sobretudo para ‘eles’, a dica sobre como conseguir atrair as mulheres, mesmo quando desprovidos de encantos especiais:
«Porque eu faço perguntas (…) Ainda há por aí bastantes egomaníacos à antiga, opiniosos e cheios de garganta para fazer uma pessoa como eu parecer agradavelmente diferente.»
CHEERS!
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Nota bibliográfica:
HORNBY, Nick (1997). Alta Fidelidade. Lisboa: Editorial Teorema.
quarta-feira, 1 de julho de 2009

É um modo de entendê-la.»
Loyd Alexander
Por norma, não é para nós – pequeno grupo de leitores que desde Março vem projectando ler – importante ter o autor como referência, nem a sua intenção como alvo das nossas asserções, no entanto, MdC merece-nos um parêntesis.
Primeiro, porque não sendo um neófito (publicou a primeira obra em 1981), só agora, e algo timidamente, começa a ser reconhecido e distinguido[1] pelo seu talento ou, nas palavras do autor, pelo seu «trabalho de minuciosa lavra, em traiçoeira brenha», reconhecimento, quanto a nós, merecidíssimo.
Segundo, porque se deu ao trabalho de colocar as personagens desta fantasia num cenário fictício (S. Jorge do Alardo), mas de matriz alentejana e tão próximo que até situa o dito lugar no Concelho de Moura. Como leitores de Moura, ou pelo menos em Moura, esse detalhe não podia deixar-nos indiferentes.
Terceiro, e mais importante, porque é um ficcionista preocupado com o uso da língua nacional, a qual se percebe que domina, e que não se poupa a trabalhos para encontrar a «palavra certa», naquele que nos parece ser o exercício fundador de qualquer obra literária, e isso é cada vez mais raro.
Pelo romance desfila um conjunto de personagens que servem ao propósito satírico do autor, como é o caso do jovem Emanuel Elói (espécie de herói pícaro, a lembrar a personagem camiliana de Queda de um Anjo), que percorre o país a fazer demonstrações de xadrez, o que lhe proporciona encontros singulares como esse em Grudemil, com um cacique local «presidente do clube da bola, vereador da câmara, sócio honorário dos bombeiros, tem uma padaria, uma fábrica de louça, três oficinas, (…) duas casa de alterne, um bar e um bordel clandestino (…) total e absolutamente isento de impostos (…)», logo «já tem condições para se meter a sério na política». Também ao tio de Emanuel o autor concede ‘direito de antena’, para que aquele possa explanar, qual voz solidária e defensora da virilidade máscula, a sua teoria da ‘triangulação’ (recomendamos aos homens que têm propensão para a militância activa da poligamia a leitura desta ‘teoria’, pois assim, ao menos, terão uma).
Em contraponto, e como estratégia autoral para subverter o diálogo crítico e antecipar-se ao coro ‘feminista’ que certamente protestaria pelo papel dominante das personagens masculinas e, sobretudo, pela exposição da fraqueza intelectual, anímica ou moral das mulheres que pontuam no romance, o narrador desta ‘fantasia’ entrevista as mulheres dos coronéis, abrindo espaço para que elas mostrem aquilo que a possível inépcia misógina do narrador/ autor escamoteou. O diálogo com a personagem Maria das Dores é acutilante e recomenda-se, até porque é também um artifício típico do romance metaficcional, ou seja, do romance que se auto-analisa, que reflecte sobre os paradigmas do género e que procura sinalizar ao leitor que está perante um dado da imaginação, logo da fantasia de um autor.
Afinal, e como MdC reitera no seu último romance (A Sala Magenta), «procurar moldes da vida real para acontecimentos e personagens é ter em má conta a imaginação do autor». De um autor, cujas fantasias revelam a luta corpo a corpo com o código linguístico, a medida exacta nas palavras, já que nenhuma está a mais ou parece faltar, e o imenso prazer de contar histórias, que só encontra par no deleite com que o leitor as lê.
Nota: Em 2007, Mário de Carvalho escrevia o seguinte na revista Egoísta: «De todas as práticas artísticas a literatura é a mais vulnerável, porque muita gente se sente capaz não só de apreciá-la e comentá-la, como de praticá-la (…) Ninguém se inibe de avaliar um livro, mesmo não tendo lido; todos exibem muito à-vontade, as opiniões que acautelariam em se tratando de arquitectura, de pintura ou música; e correm torrentes de praticantes, ávidos de mostrar afectos tormentosos, arroubos poéticos e peculiaridades vivenciais (…) E lá virão mais declarações, mais opiniões….»
[1] O romance histórico de 1994, Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde, é a sua obra mais premiada: Prémio de Romance e Novela APE/IPLB; Prémio Fernando Namora; Prémio Pégaso de Literatura e Prémio Literário Giuseppe Acerbi. Também o romance que nos reuniu dia 2 de Junho, Fantasia para Dois Coronéis e uma Piscina (2003), foi alvo do Prémio PEN Clube Português Ficção e do Grande Prémio de Literatura.
O autor foi galardoado, este mês, com o Prémio Vergílio Ferreira/ Consagração atribuído pela Universidade de Évora e pela Câmara Municipal de Gouveia.