domingo, 3 de janeiro de 2010

28 de Outubro
Cem Anos de Solidão
G.G. Márquez


O projecto de ler Cem Anos de Solidão não foi novidade para nenhum dos presentes no serão de Outubro, pois todos havíamos, anos antes, ‘testemunhado’ as peculiaridades e peripécias da família Buendía.
Curiosamente, todos concordámos que tínhamos memória do impacto que a obra causara aquando da primeira leitura, de como nos persuadira a descobrir mais de Gabriel García Márquez, mas pouco tínhamos retido do emaranhado genealógico dos Buendía, como se a nós também sucedesse um processo de encantamento semelhante àquele a que Macondo está condenada: «pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens» (p. 327). A nossa vantagem, relativamente a Macondo e aos seus fundadores, é que se as «estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a Terra» (p. 328), nós, leitores, teremos sempre mais uma oportunidade sobre o trabalho magistral, reforçamos, de encantamento, que G.G. Márquez conseguiu com este romance.


O ‘realismo mágico’ em Cem anos…

Numa breve alusão ao carácter encantatório do registo de Cem anos…, elucide-se que a prática ficcional de apresentar os grandes temas sociais envolvidos numa aura onírica, condimentados com os traços fantasiosos das superstições, das lendas e mitos arquetípicos, se denomina, genericamente, por ‘realismo mágico’.
Esta feição mais ‘fantástica’ de uma literatura de carácter ainda assim social e denunciadora da condição humana em certas comunidades, sobretudo praticada pelos autores latino-americanos (Marquez, Jorge Luís Borges, Cortázar), conquistou grande popularidade na segunda metade do século passado, contaminando gerações sucessivas de autores de diferentes latitudes, entre eles, Gunter Grass, Italo Calvino e Salmon Rushdie. (Remetemos para a obra Fantasia para Dois Coronéis e uma Piscina, de Mário de Carvalho, já lida no nosso ‘clube’, como exemplo de um romance português tocado pela técnica ficcional em causa).


Cem anos… – um romance de amor

Foi o próprio autor que assim definiu a sua obra: «Descobri, ao acordar, que tinha maduro no coração o romance de amor que havia ansiado escrever há tantos anos», urdido pelo entrelaçar das obsessões, milagres, dramas, relações incestuosas e/ ou adúlteras, revelações e condenações da família Buendía.
Não cabe neste espaço o muito que há a comentar sobre este romance, mas não podemos deixar de destacar como elemento unificador do mesmo o efeito da circularidade do tempo: «e mais uma vez estremeceu com a confirmação de que o tempo não passa, como ela acabava de admitir, mas que andava às voltas.» (p. 265)
A sensação de circularidade temporal, corroborada pelo constante fazer e desfazer dos peixes de ouro do Coronel Aureliano ou do bordado de Amaranta - «Poderia dizer-se que bordava de dia e desbordava durante a noite, e não na esperança de, dessa maneira, derrotar a solidão, mas sim exactamente o contrário, para a manter» (p. 207) - (num esforço a lembrar o de Penélope), acaba por conceder à obra um halo de intemporalidade que a distingue com a representação do mito e da história, da tragédia e do amor de toda a humanidade.


Nota bibliográfica: Márquez, Gabriel García. (2000). Cem Anos de Solidão. 15ª. edição. Lisboa: Publicações Dom Quixote.











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