
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

domingo, 26 de dezembro de 2010

quarta-feira, 21 de julho de 2010
27 de Maio

"Assim vamos persistindo, como barcos contra a corrente, incessantemente levados de volta ao passado."
CHEERS!
domingo, 23 de maio de 2010

Em Março, projectámos ler a mais recente obra de um escritor nosso conterrâneo que, apesar de celebrar o Alentejo em muitos dos seus textos, a ele não se restringe, como o evidencia a novela sobre a qual recaiu a nossa escolha literária para este mês. Referimo-nos a Urbano Tavares Rodrigues e à sua novela de 2007 - Os Cadernos Secretos do Prior do Crato. Nela, o autor ficciona em torno dos dados biográficos que recolheu sobre essa figura singular da nossa História - D. António, Prior do Crato, pelo qual revela um enorme fascínio.
«Creio que desde sempre me fascinou a rica e complexa personalidade do herói de tantas batalhas perdidas que foi D. António, prior do Crato, por dois anos efectivamente rei de Portugal (...) Não é apenas um cavaleiro sem temor e um diplomata em defesa da sua causa nas cortes de França e Inglaterra. É um homem perdido por mulheres, garboso, sensual, que dificilmente resiste à beleza de um olhar, à tentação de um corpo voluptuoso. Para mais, é um homem que pensa e sente, que tem a cultura de um humanista e as interrogações, os remordimentos de consciência de um ser sensível, de um crente que mandou o hábito às urtigas, escusando-se ainda jovem ao compromisso de celibato, mas sem resolver definitivamente o diálogo que, mesmo em meio das suas lascivas experiências, sempre manteve com Deus».
Eis o herói da novela, tal como o apresenta o autor no posfácio da mesma.
Confessamos que muito nos deleitou a leitura em registo autobiográfico da vida política, sentimental e religiosa do Prior do Crato, ainda que por razões aqui não cabem esmiuçar; e que foi um dos serões literários em que mais nos divertimos. Fosse pelo efeito da flute com que o nosso anfitrião ( obrigada Eduardo) faz acompanhar o doce predilecto da ala feminina do 'clube', fosse pela boa disposição que a prosa do Urbano Tavares Rodrigues causou, o que é certo é que terminámos um dia longo com um largo sorriso, embora alguém insistisse em citar a frase de abertura da obra: « A ninguém darei a ler este caderno, que comecei a escrever nem sei porquê».
Há obras assim... lêem-se nem sabemos porquê! Mas , aproveitando , de novo, a boleia do Prior do Crato juramos como ele que não voltaremos «a praticar os mesmos actos, quando de antemão sei que os repetirei com prazer».
Boas leituras, de preferência projectadas com prazer!
3 de Fevereiro
É estranho escrever sobre um livro que se quer ‘rio’, volvidos três meses do serão dedicado à sua leitura. Poderão as águas do mesmo rio banhar-nos duas vezes? Veremos… E se não conseguir reportar fidedignamente o clima daquele serão de Fevereiro, nem reproduzir as opiniões que genericamente foram partilhadas sobre esta obra de Hesse, é porque não soube escutar, pois tal como diria Heraclito que tão a propósito de rios é convidado para compor o ambiente, «se não sabe escutar, não sabe falar».
Não temos a pretensão de termos sabido ‘escutar’ Siddartha, por isso, não alvitramos que lição há a tirar desta obra (até porque cada um tira de cada livro senão o que quer, o que pode) que, em subtítulo, se apresenta como ‘um poema indiano’.
Concordamos que é meritória de tal título, dado o trabalho poético encetado pelo autor sobre princípios filosóficos e éticos que , como tal, tornam a obra num ícone literário transversal às diferentes gerações de leitores, unidas pela identificação com o anelo de Siddartha: a procura de respostas às dúvidas existenciais que assaltam o homem desde sempre.
Resumidamente, Siddartha é um jovem brâmane que decide abandonar o lar
paterno à procura de viver a vida que, mantendo-se em casa, só aprenderia nos livros.
Dúvida 1: A vida será como a que vem descrita nos romances?
Estamos em crer, com base num ‘saber de experiência feito’, que a realidade supera a ficção, mas esta discussão sobre se é a arte que imita a vida ou vice-versa é antiga e, se até hoje irresolúvel, por nós assim continuará.
Dúvida 2: Podemos prescindir dos ‘mestres’? Haverá de facto um ‘deus’ dentro de nós?
Aqui, o ‘poema indiano’ é peremptório em nos afiançar que sim, aliás, essa é a tese da obra. Assim, podemos ler: «Tens dentro de ti, em todos os que se transformam, um Buda oculto para venerar», e justifica a sua pouca fé nas doutrinas: «Posso amar uma pedra (…) mas não posso amar palavras. É por isso que não aprecio as doutrinas, não têm dureza ou moleza, não têm cores, não têm arestas, não têm cheiro, não têm gosto, nada têm senão palavras. Talvez seja isto que te impede de encontrares a paz , talvez sejam as palavras em excesso.»
Alguns dos leitores presentes não estiveram em total sintonia com esta ideia de que cada um de nós encerra um deus, que em si mesmo deve procurar consolo e orientação, de si mesmo assacar responsabilidades quer pelo cosmos quer pelo caos que as suas decisões causam. Alguém frisou que por incapacidade, inércia ou pelo hábito herdado de geração em geração, há muita gente, a maioria até, que não encontra em si essa força, esse rio impetuoso que «aspira a muitos objectivos, à queda de água, ao lago, aos rápidos, ao mar, e todos os objectivos eram alcançados e a todos eles se seguia um novo objectivo».
Toda essa gente necessita de se inspirada. Por isso, as doutrinas, os mestres, os ‘gurus’ e demais ‘iluminados’ ressurgirão ao longo dos tempos como relicário da esperança e da fé dos homens, ao fim e ao cabo, em si mesmos, ainda que tomando uma ínfima parte pelo todo, ainda que disso pouco se apercebam.
No entanto, abrimos espaço para o contraditório citando Siddartha: «Para cada verdade, o contrário é igualmente verdade.»
Dúvida 3: Até onde podemos chegar seguindo o ‘rio’ que corre dentro de nós?
De uma forma muito sumário e simplista, chegaremos até nós mesmos, ao nosso âmago. Seguirmos o rio é a viagem que nos leva de nós a nós e, por conseguinte, aos outros. O mesmo rio que escuta, é o que nos ensina a escutar, a ter paciência e que nos ensina o ‘silêncio’(a lembrar-nos essa personagem singular do romance de Mia Couto – Mwanito, o Afinador de silêncios, e talvez agora se perceba melhor porque terá Mia convocado H. Hesse no intróito do seu Jesusalém). No rio escutavam-se todas as vozes fundirem-se numa só; no rio estava o ‘mundo’, a totalidade.
Síntese - Enquanto procuras nunca conseguirás encontrar:
«Quando alguém procura (…) pode acontecer que os seus olhos vejam apenas a coisa que ele procura (…) Procurar significa ter um objectivo. Mas encontrar significa ser livre, manter-se aberto, não ter objectivos.»
Erguemos o nosso cálice a essa liberdade. E fazemos votos para que também nós, que por aqui vamos projectando leituras, possamos encontrar nas palavras dos outros aquelas com as quais consigamos ser ‘rio’, e que a ‘nossa’ grandeza não se veja no «falar ou no pensar, apenas no agir, no viver».
Que os nossos olhos vejam para lá do que procuram…
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
«Este é o país derradeiro e vai-se chamar Jesusalém.» (p.42)
- Os cantos –
Decidimos encerrar 2009 com a leitura de uma prosa que nos deixa sempre com o travo da poesia na ponta dos dedos, com os quais muitos de nós temos a ousadia e o atrevimento ( segundo alguns dos membros do projectoler) de marcar os cantos das páginas que igualmente nos marcam.
Jesusalém é a ‘prosa mágica’ sobre a qual conversámos no nosso último encontro, dia 16 de Dezembro. Inicialmente, também o mais recente romance de Mia Couto sofreu ‘tratos de polé’ nos cantos, mas tornou-se rapidamente evidente que quase todas as páginas do livro seriam submetidas a tal ‘injúria’, pelo que entre um post-it e outro; de sublinhado em sublinhado e já com a ajuda das pratas dos mon-chéris adventícios, fomos destacando os momentos mais memoráveis de Jesusalém, que à semelhança dos seus antecessores na lista bibliográfica do respectivo autor, tem no reinventar lírico da língua portuguesa a sua personagem principal.
- As citações –
Pese embora seja muito redutor tomar a parte pelo todo, e correndo o risco de passar a ideia de que esta obra de Mia Couto mais não é do que uma colectânea de clichés (seria uma conclusão muito injusta e precipitada), partilhamos convosco os ‘cantos dobrados’:
p. 40 - «Esperas, É isso que a estrada traz. E são as esperas que nos fazem envelhecer.»
p. 62 - «Mulheres são como ilhas: sempre longe, mas ofuscando todo o mar em redor.»
p. 143 - «É isso que essas negras têm que nunca poderemos ter: elas são sempre o corpo inteiro. (…) todo o seu corpo é mulher, todo o seu tempo é feminino. E nós, brancas, vivemos numa estranha transumância: ora somos alma, ora somos corpo. Acedemos ao pecado para fugir do inferno. Aspiramos à asa do desejo para, depois, tombarmos sob o peso da culpa.»
p. 146 - «Uma terra é nossa como uma pessoa nos pode pertencer: sem dela nunca tomarmos posse.»
p. 151 - «Os homens não olham as mulheres que acabaram de amar porque têm medo. Têm medo do que podem encontrar no fundo dos olhos delas.»
p.255 – «Porém, se temos que viver na mentira que seja na nossa própria mentira (…) o mundo termina quando já não somos capazes de amar (…) Eis a lição que aprendi em Jesusalém: a vida não foi feita para ser curta e breve. E o mundo não foi feito para ter medida.»
Outras citações seriam mais ilustrativas da peculiar apropriação que Mia Couto faz do código linguístico (desde a escolha dos nomes das personagens Mwanito, afinador de silêncios; Vitalício Silvestre; o Tio Aproximado; Zacarias Kalash; a jumenta Jezibela; passando por tantos outros ‘achados’conseguidos pela mestria com que o autor joga com as palavras), mas suspeito que o género de quem escrevinha estas linhas influenciou a escolha.
- As mulheres-
Por falar em género, alguma crítica tem evidenciado que este é um romance sobre mulheres; diríamos que se trata de uma espécie de tributo que sucede a dois níveis: por um lado, aquele que é prestado pelo próprio autor a mulheres poetas que inspiram cada um dos capítulos – Sophia de Mello Breyner Andresen; Hilda Hilst; Adélia Prado e Alejandra Pizarnik - , por outro lado, aquele que o próprio enredo tece ao colocar a mulher no lugar de ‘ilha’ (um dos poemas citados refere esse topos clássico de associar a figura feminina à condição de ilha), distante, isolada, mas sempre objectivo da viagem dos homens de Jesusalém: iniciática para uns; de esquecimento e penitência para outros. Uns a quererem alcançá-la, outros na viagem de retorno, a tentar fugir dela. Será tal dupla empresa – alcançar/ esquecer a mulher (ou a ‘ilha’) – alguma vez conseguida? Parece ser esta a questão síntese que a obra coloca, antecipada até pela citação de Herman Hesse que descerra o pano sobre Jesusalém:
«Toda a história do mundo não é mais
que um livro de imagens reflectindo
o mais violento e mais cego
dos desejos humanos: o desejo de esquecer.»
- Nota de rodapé –
Deixamos, então, como T.P.C., a reflexão sobre os laços que as palavras tecem e os sempre renovados votos de boas leituras, neste caso do romance de maturação dos artifícios criativos de Mia Couto.
«A poesia é uma doença mortal.» (p. 151)
domingo, 3 de janeiro de 2010
O projecto de ler Cem Anos de Solidão não foi novidade para nenhum dos presentes no serão de Outubro, pois todos havíamos, anos antes, ‘testemunhado’ as peculiaridades e peripécias da família Buendía.
Curiosamente, todos concordámos que tínhamos memória do impacto que a obra causara aquando da primeira leitura, de como nos persuadira a descobrir mais de Gabriel García Márquez, mas pouco tínhamos retido do emaranhado genealógico dos Buendía, como se a nós também sucedesse um processo de encantamento semelhante àquele a que Macondo está condenada: «pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens» (p. 327). A nossa vantagem, relativamente a Macondo e aos seus fundadores, é que se as «estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a Terra» (p. 328), nós, leitores, teremos sempre mais uma oportunidade sobre o trabalho magistral, reforçamos, de encantamento, que G.G. Márquez conseguiu com este romance.
Numa breve alusão ao carácter encantatório do registo de Cem anos…, elucide-se que a prática ficcional de apresentar os grandes temas sociais envolvidos numa aura onírica, condimentados com os traços fantasiosos das superstições, das lendas e mitos arquetípicos, se denomina, genericamente, por ‘realismo mágico’.
Esta feição mais ‘fantástica’ de uma literatura de carácter ainda assim social e denunciadora da condição humana em certas comunidades, sobretudo praticada pelos autores latino-americanos (Marquez, Jorge Luís Borges, Cortázar), conquistou grande popularidade na segunda metade do século passado, contaminando gerações sucessivas de autores de diferentes latitudes, entre eles, Gunter Grass, Italo Calvino e Salmon Rushdie. (Remetemos para a obra Fantasia para Dois Coronéis e uma Piscina, de Mário de Carvalho, já lida no nosso ‘clube’, como exemplo de um romance português tocado pela técnica ficcional em causa).
Cem anos… – um romance de amor
Não cabe neste espaço o muito que há a comentar sobre este romance, mas não podemos deixar de destacar como elemento unificador do mesmo o efeito da circularidade do tempo: «e mais uma vez estremeceu com a confirmação de que o tempo não passa, como ela acabava de admitir, mas que andava às voltas.» (p. 265)
A sensação de circularidade temporal, corroborada pelo constante fazer e desfazer dos peixes de ouro do Coronel Aureliano ou do bordado de Amaranta - «Poderia dizer-se que bordava de dia e desbordava durante a noite, e não na esperança de, dessa maneira, derrotar a solidão, mas sim exactamente o contrário, para a manter» (p. 207) - (num esforço a lembrar o de Penélope), acaba por conceder à obra um halo de intemporalidade que a distingue com a representação do mito e da história, da tragédia e do amor de toda a humanidade.